Ronald
trabalhava como palhaço por anos, e já adquirira experiência suficiente para
promover grandes eventos por conta própria. Naquele dia, ele organizara um show
infantil com o intuito de angariar fundos para um projeto pessoal. Sua
profissão era gratificante, pois lidar com crianças, para ele, era uma das
melhores coisas do mundo.
Seus cabelos
em tom escarlate, encaracolados como macarrão ao sugo, pendiam por uma peruca
mal colocada naqueles fios realmente negros por debaixo do nylon vermelho. Com
sua estatura alta e porte físico desejável, Ron, como era conhecido, sempre
ostentava um sorriso incomum para os homens de sua idade. A propósito, ele não
gostava de revelá-la a ninguém, mas estima-se que ele tenha no máximo vinte e
cinco anos.
Nota-se
claramente que ele gosta muito de praticar exercícios físicos, mas seu tônus
muscular elogiável dá-se mais em vista de seu esforço com as crianças do que
com uma academia em si. O trabalho que as pestinhas dão é fenomenal.
Após anos no
emprego, ele já se mantinha sozinho no ramo e começara a preparar festas por si
próprio. Juntava grande parte de sua renda para aquele projeto personalíssimo.
Por tempos lutou por ele, e agora este estava prestes a se concretizar.
-Tio Ronald,
você faz um cachorrinho para mim? – Questionava um menino de cinco anos com um
chapéu de festa azul na cabeça. O moletom engordurado também estava com uma
fenomenal marca de sorvete, com uma mancha roxa que provavelmente nunca mais
sairia. – Tio Ronald?
-Ah...
Cachorrinho? – Ron não se atentara para a pergunta. – Que cachorrinho?
-De balão. – O
garoto sorriu.
-Ah.
Ronald enrolou
a bexiga debilmente e devolveu-a ao garoto.
-Quê isso,
tio? – O garoto parecia não estar satisfeito. – Eu pedi um cachorro! – Ele
abriu a boca para chorar.
Aquele dia não
estava sendo o melhor da vida de Ron, e seus sonhos estraçalhados e estourados
como um balão o pressionavam a ponto de fazer algo improvável.
-Dê-me aqui
este balão, menino. – O garoto viu seu mais precioso bem ser suprimido de suas
mãos. E, ignorando todo o resto das pessoas que estavam do outro lado do parque
gramado, sequestrou o garoto. Tinha se cansado de vez daquele emprego, e,
embora podia ser preso por aquilo, não parou muito para pensar nas
consequências.
O menino babado
e sujo de sorvete foi levado sorrateiramente para um furgão adornado com alguns
adereços de palhaços. Um belo nariz vermelho ficava em cima do veículo, e
indicava que o palhaço Ron estava chegando. A buzina do furgão também foi
modificada.
Contudo, o homem
estava cansado daquela vida de palhaço e queria que o resto do mundo
explodisse. Antes, porém, aquele garoto iria sofrer.
Mas como?
Primeiramente,
pegou-o e amordaçou-o com alguns balões vazios que ele mantinha em uma sacola,
prendeu-o com o cadarço de seus enormes tênis e por fim enfiou quase que toda
sua peruca na cabeça do garoto, que ficou mais parecido com um pequeno palhaço
do que com um refém de verdade.
Chutou uma
lata de refrigerantes que caíra da mão do garoto e sentou-se no banco.
Apreensivo, girou a chave, com as mãos trêmulas, e ligou o carro. Arrancou
cantando pneus enquanto alguns dos pais que acompanhavam os filhos corriam
aturdidos rumo ao veículo, e, inclusive, dois deles desesperados pelo filho que
fora roubado.
A polícia foi
chamada e rapidamente perseguia o rapaz, que foi mais astuto e, com uma virada
brusca, derrubou o nariz de cima do veículo, que se espatifou em cima do carro
dos tiras. Eles foram obrigados a parar, e o meliante escapou ferozmente por
entre uma rua estreita e sinuosa, bem no centro da cidade.
O labirinto
urbano foi transpassado fielmente por alguém que conhecia toda Arcádia, na Califórnia,
e o homem em fuga foi perdendo as contas do tempo que passara com o pé somente
no acelerador.
Por fim, já as
duas horas da tarde, três horas depois do incidente, parou em uma casa de
campo, feita de madeira e decorada debilmente com algumas cabeças empalhadas de
porcos e bois( por sinal, muito esquisitas)e desligou o carro de forma
apressada, esquecendo o garoto lá dentro por algum tempo. Entrou e encontrou-se
com seu irmão Maurice, fazendo sabe-se lá o que com uma garota em seu quarto.
Resolveu pegar uma bebida bem gelada, que por fim acabou virando um whisky
quente e ardente. Bebeu toda a dose em somente um gole, e a bebida desceu
queimando sua garganta. Tirou um maço de um legítimo Marlboro, acendeu-o e
pitou algumas vezes.
Maurice saiu
do quarto praticamente nu, com a mulher de não mais de dezoito anos atrás,
despreocupada em enrolar-se em algo para esconder suas vergonhas.
O irmão e a
“acompanhante” se assustaram. Ele já estava acostumado com o corpo masculino, e
então nem ligou de mostrar suas partes a Ronald. A garota se enfiou de volta no
quarto, com uma batida de porta nem um pouco agradável.
-Ron, meu
palhaço favorito. O que faz aqui? Pensei que tinha que trabalhar hoje.
-Desisti de
tudo.
-Como assim de
TUDO? – Maurice ficou aturdido e veio correndo tirar satisfações com o irmão. –
Tudo o que?
-Tudo. Cansei.
Manda embora essa...aquela...- ele não encontrava a palavra certa. – ah...
mulher, embora.
-Está bom
então. – O irmão parecia nervoso e raivoso, mais sabia que não poderia
contrariar Ronald, seu irmão mais velho, então foi logo tratar de despedir-se
de Katy.
-E guarde isto
em seu lugar. – Apontou para as partes baixas. – Cansei-me de vê-las livres
pelo ar.
O outro irmão
ficou mais aliviado. Ronald sendo “Ronald, o palhaço”.
Após a saída
de Katy, que na verdade era Monique Salém, uma prostituta, Ronald levou o
irmão, já de cuecas e com um cigarro na boca(O vício era presente entre os
dois) para conferir o “material” que Ron trouxera na parte de trás do carro
amassado e sem o nariz de palhaço que ficava em cima do capô.
-Caramba,
cara! O que é que você arrumou aí? Tá doido?
O garotinho
olhava para os dois com olhos de ressaca.
-E aí? –
Ronald olhou para o irmão. – Sugestões?
-Claro que
não, cara! O que você acha que vou fazer com um garoto de dez anos amarradona
parte de trás de um carro? Onde é que você estava com a cabeça?
-Pra falar a
verdade, já perdi a cabeça a muito tempo. Sequestrei um garoto em uma festa
infantil, fui perseguido pela polícia, atropelei o cachorro de uma madame e
derrubei o nariz vermelho estúpido em cima do carro dos tiras, velho. Eu tô
ferrado!
Ron olhou para
o horizonte perdido no meio do nada e ficou por alguns segundos deslumbrando a
estrada vazia.
-Cara? –
Ronald se virou quando Maurice chamou-o com uma voz bastante rouca depois de
anos de cigarro e drogas.
-Oi?
-Olha pra
estrada.
E Ronald quase
sujou as calças quando o batalhão de polícia de Arcadia parecia estar
completamente vindo em sua direção. Cerca de dez viaturas e mais uns doze
policiais em motocicletas.
-Cara, o que
foi que você fez?
-Sequestrei
aquele garoto ali. – Ron apontou para o menino, que não esboçou reação. Sua roupa
estava bastante suja de um suor mesclado à poeira da estrada. – Simplesmente
isso.
-Simplesmente
isso? Cê pirou? – Maurice pegou as chaves do carro. – Vamos nos entregar e
pagar pelo que você fez. – Olhou para si mesmo e repensou: - Acho que os tiras
não vão querer explicações e vão me levar junto.
-Não tardou a
perceber seu erro. Parabéns! Agora, - O palhaço buscou em seus pensamentos. –
é... Entre aqui e vamos fugir!
O irmão entrou
sem pestanejar.
O velho furgão
rangeu os motores e cantou pneus antes de os dois irmãos ouvirem a sirene da
polícia. É essencial ressaltar que, na verdade, o que se via dentro do carro
era um menino pálido amarrado com balões, um palhaço ao volante e um bêbado
praticamente pelado bebendo whisky e fumando pela janela, enquanto metia a cara
para fora e saudava maliciosamente as mulheres por quem eles passavam.
-E agora? Para
onde?
Ronald distraiu-se um pouco com a estrada e devaneou por alguns momentos.
-Sei lá. Já
ouviu falar em **-se. Então, é para lá que vamos. Quer mesmo ir?
-Acho que não,
mas tanto faz então.
-Vambora!
E o dia foi
sumindo bem devagar, à medida que as cidades passavam em relâmpagos, como
flashes, e algumas pequenas viaturas nem sequer paravam para reparar nos dois
fugitivos emaranhados em uma situação perigosíssima.
A noite toda
foi de muita estrada, e pela manhã Ronald ainda suspirava os efeitos do álcool
e do cigarro, que daquela vez não fora de fumo.
-E aí, cara, o
que você vai fazer? – Maurice acordara sobressaltado.
-Não enche. –
Ronald virou a cara e deu mais um trago no cigarro.
-Nervosinho...
-O que foi? Tá
achando bom não?
-Não é isso. É
que eu quero saber o que vamos fazer em seguida. E tem também o lance do
menino.
-Menino? Que
menino? – Ron não se lembrava de muita coisa enquanto consumia drogas. Até que
encontrou bem no fundo de sua mente a imagem do garoto que tinham sequestrado.
– PUTZ!
O carro foi
freado bruscamente até parar no acostamento de uma rodovia pouco movimentada no
Texas.
-*lho, velho,
*ta *rda, esquecemos a *rra do menino no banco de trás. Que *sta!
-Calma *rra! O
bichinho ainda tá aí preso e só deve estar com uma *ta fome.
Os irmãos
foram em direção ao fundo do veículo, abriram a porta do furgão acoplado ao
carro e tiveram uma baita surpresa: O menininho bonitinho que Ronald tinha
sequestrado, sujo de baba e sorvete, estava roxo, caído ao chão, e duro como
uma pedra.
Contudo, ainda
estava quente, por isso, ainda sob efeito de drogas, o irmão mais velho meteu
logo a boca nos lábios pequenos do menino na esperança de ressuscitá-lo, como
se faz com as pessoas com parada respiratória, mas o gosto de sangue e vômito
que a boca do garoto lhe proporcionara o fez abandonar a proposta rapidamente.
-*lho, velho!
Que *sta que a gente fez. * tomar no *, seu *zão, olha onde você me meteu! – Maurice
tinha empurrado o irmão para longe com uma força descomunal. Ronald, bêbado e
“noiado”,caiu com tudo em cima de uma pequena pedra que lhe deu um grande rasco
em uma das mãos, e sua blusa escrota de palhaço ficou logo manchada de sangue.
-*rra, meu! Cê
tá de brincadeira comigo, ou minha mão tá mesmo sangrando? – Ronald parecia não
sentir dor alguma. Pegou o cigarro e pitou mais uma vez.
-Tá doido
bicho, cê tá muito noiado, isso sim! A gente tem que dar o fora daqui agora. Tô
vendo uma casa ali a uns dois quilômetros. Parece que não tem ninguém lá, a
gente pode ir e ver se eu consigo alguma coisa. Bora!
Maurice
assumiu o volante e acelerou tanto que o presunto atrás do carro chocou-se
violentamente contra uma das paredes da caixa metálica que caracterizava o
furgão. Um barulho oco foi ouvido, seguido de um vômito tremendamente absurdo
que saíra da boca de Ronald e sujara a estrada de verde, dez vezes mais nojento
que o slime da Nickelodeon.
-Seu filho da
mãe, rouba uma pestinha e ainda suja meu carro! Isso não vai ficar assim mesmo!
Mas Ron nem
deu ouvidos, e o irmão mais novo decidiu continuar o caminho mesmo assim, até
que dois minutos depois, aos trancos e barrancos, já estavam naquela pequena
casa no meio do nada. Com certeza estava abandonada a tempos, e seria o local
ideal para descartar o bichinho sem que nunca mais o achassem.
O carro parou
e Maurice desceu rapidamente, gritando:
-Corre seu
malandro, venha, me ajude com esse trambolho!
Ronald ainda
estava aturdido, contudo pegou o menino morto e amarrado e praticamente jogou-o
ao chão, onde ele ficaria por mais algumas horas até que decidissem o que
fazer.
-E aí? De
novo...
-Cara, não sei
o que fazer.
-Nem eu.
-Bebe um
pouquinho então, isso resolve.
-Você tem um
estoque infinito de whiskys aí nesse furgão? – Maurice parecia entrar no clima
do irmão.
-O suficiente
para nós dois agora.
-Me dá uma
garrafa então.
-OK.
-Mas antes
vamos fazer uma fogueira, porque aqui no deserto, à noite, é bem frio.
-É pra já.
E as pequenas
labaredas foram subindo junto às estrelas do céu, assim como a Lua que brilhava
tão forte quanto o fogo que consumia alguns velhos pedaços de madeira que antes
eram a porta da casa.
***
-*uta *erda,
cara!
-Bom dia para
você também, Rice!
-Não, cara!
Olha a *osta que a gente fez, velho! Tô com nojo de mim!
-O que? – A
pergunta de Ronald soou quase retórica quando o mesmo percebeu a grotesca cena
que tinham protagonizado.
Em cima da
fogueira, o menino jazia cozido e comido aos pedaços, em uma carnificina geral
e enlouquecedora, que amedrontou ferozmente os dois homens. Um pouco de sêmen
também estava ao lado do garoto, indicando que a noite foi mais louca do que se
pensava.
-Eu comi o
garoto! – Ronald se debatia debilmente, como se aquela carne humana fosse se
desfazer dentro de seu corpo e simplesmente sumir de sua vida. – Caraca, meu!
-E você acha
isso bom? Cê tá mesmo doido!
-Não, eu não
tô doido não, eu só gostei.
-COMO ASSIM?
-Eu gostei
daquela carne. Achei suculenta.
-VAI SE *DER!
Eu não tô tão doido assim não!
Os dois irmãos
quase se atracaram ao lado do resto do corpo do menino, ainda quente sobre a
fogueira em brasas.
-Prova!
-Eu não!
-Prova de
novo!
-NÃO!
-Quer ver, é
bom! – Ronald abaixou-se e pegou um pedaço dos dedos do menino e meteu-o na
boca como se fosse uma bala. – Ainda está suculento.
-Seu doido!
-Doido, não,
diferente!
-DOIDO!
-Somente prova
mais um pedaço.
-Só unzinho?
-Só um.
-Tá bom.
Outro dedo foi
arrancado e atravessado no ar vagarosamente, posteriormente entrando na boca.
-Bom?
Maurice
pensou, como se estivesse a analisar aquilo que estava fazendo.
-Não é ruim.
-Falei?
E como zumbis
que perseguem a comida ambulante, os dois irmãos terminaram o café da manhã,
botaram mais madeira sobre os ossos, urinaram sobre a carcaça e foram embora,
deixando o local o mais nojento possível.
***
-Como andas,
mocinha? – Ronald ria do irmão, que estava pensativo e prostrado recostado à
janela.
-Acho que não
foi certo o que fizemos. Não é certo comermos pessoas.
-O certo é não
comermos coelhos e lebres, coitados. Seres humanos temos muitos no globo.
-Não acho isso
certo.
Ronald
reprimiu-o fisicamente, e colocando-lhe a mão em um local indesejado, disse em
alto e bom tom:
-Você vai
comer o que eu mandar, e eu estou te ordenando comer carne humana. Aliás, a
próxima pobre alma que encontrarmos por essa estrada.
-Eu não quero
mais fazer isso.
A mão de
Ronald apertava cada vez mais o membro de Maurice, que foi ficando bastante
dolorido.
-Vai fazer
isso agora?
-Não.
Apertou mais a
mão.
-E agora?
-Ainda não.
Parecia que o
sangue ali iria parar, ao passo que a cabeça do irmão mais novo começara uma
mudança radical em virtude da literal pressão do irmão mais velho.
-E agora?
-Sim, tá bom,
eu vou tentar.
-Conseguir.
-Sim.
-Sim?
-SIM!
-Assim que eu
gosto. – Ronald olhou para o horizonte, e um posto de combustíveis se
aproximava junto com um casebre malfeito. Um homem de aproximadamente trinta e
dois anos fumava sentado em um tamborete de madeira de lei, com uma das mãos
enfiadas nos bolsos e os olhos no horizonte que se estendia ao infinito. –
Aquele ali. Alvo travado, localizado e preparado.
-Não faça
isso, por favor... – Maurice ainda tentou salvar o pobre homem. – Ele tem a
nossa idade quase.
-Então é
melhor ainda, que aí poderemos imaginar o sabor aproximado que nós possuímos. –
Ron tascou-lhe um tapa na nuca que quase o fez desmaiar. – Vá lá atrás e pegue
o machado. Vamos parar por aqui e seguiremos a pé, para facilitar nosso lado.
Maurice
calou-se e, enquanto o irmão encostava o carro no acostamento, ele abria a
porta e descia do carro.
O furgão era
silencioso quando necessário, mas a porta traseira não ajudava muito neste
quesito. Ela rangeu tanto que o homem do posto virou-se ressabiado e
levantou-se do banquinho, vindo em sua direção. Ronald rapidamente agarrou o
machado pelo cabo vermelho e escondeu-se atrás da porta, mais tarde rodeando o
veículo e parando exatamente a dois passos do texano.
-Precisam de
ajuda? – O homem loiro e barbado questionou, com um cheiro de fumo que
infelizmente contagiou Maurice.
-Por enquanto,
um cigarro.
-John. –
Estendeu-lhe a mão. Maurice ficou estupefato, mas decidiu cumprimentá-lo, na
esperança de uma salvação.
-Maurice.
Ronald
aproximava-se psicopaticamente por trás do homem e erguia o machado, que reluziu
à luz do sol. O brilho refletiu-se no asfalto empoeirado e fez com que o homem
do posto virasse subitamente e pegasse o palhaço assassino com a mão na prova
do crime, apesar de não sacar diretamente do que se tratava.
Ron
desferiu-lhe uma machadada, que o acertou bem no ombro e respingou sangue bem
no rosto de Maurice.
-Rice, me dá
uma ajudinha aqui. – O mais velho pedia ao mais novo cautela, para conservar a
frescura da carne. – Vamos levá-lo ao posto.
O estômago de
Maurice revirou-se, e o máximo que ele conseguiu fazer foi afastar-se e fumar.
-Eu te
encontro lá no posto, pode ir. Vou pitar um bocado.
-Vê se não
demora que eu hoje tenho um prato especial que eu fui criando enquanto dirigia.
Afinal, as quase dezesseis horas que demoramos até aqui serviram para
inspirar-me. Quando passamos pelas proximidades de El Paso, no México, percebi
que poderíamos nos fixar por ali, mas abandonei a ideia, visto que a polícia
deve estar atrás de nós. Até lá no posto! Vou estar cozinhando.
Maurice estava
perplexo, e quando finalmente tomou consciência de si, já podia enxergar o
irmão apontando para ele, na esperança de que fosse lá ajudar. Fez sinal com as
mãos e pegou o Marlboro.
A fumaça
entrou em seus pulmões e chegou até os alvéolos lentamente, com uma sensação
viciante de prazer. Queria esquecer o resto do mundo, mas principalmente a
encrenca em que havia se metido. Queria ser feliz, longe dali, mas não o
poderia enquanto estivesse debaixo das asas do irmão que por sinal era quase
como um abutre em busca de presas.
Ron assoviou
bem alto, com a boca salivando.
-Vem, seu
panaca! Não tenho o dia inteiro!
Maurice
obedeceu-o como um cachorro obedece ao dono.
-Que foi,
Ronald? O que é que você planeja? – Maurice o vira acender a fogueira
característica, mas não vira o corpo do texano. – Desta vez será carne de
verdade, pelo menos?
-Não. –
Engasgou com saliva.
Rice foi
acudílo com esperteza. Bateu em suas costas, iniciando uma manobra de desengasgo.
Da forma mais nojenta possível, saíram de sua boca dois glóbulos oculares azuis
que pertenciam ao homem assassinado, com toda a certeza.
-Seu *ta,
comeu ele inteiro, não foi? Virou um cão selvagem, ansioso por carne humana.
-Rice, meu
irmão. Que ingênuo! – Deu uma risada malévola. Pegou os glóbulos que havia
cuspido e colocou-os para observar os do irmão. Maurice corou o ficou com o
coração na mão. –Come.
Maurice
pestanejou.
-Come.
Com um tapa
sorrateiro, derrubou as bolinhas que o irmão segurava. Ron abaixou-se
vagarosamente e capturou as esferas que rolavam.
-Come, ou...
-Ou o que?
-Ou... –
Ronald não sabia o que falar. – Ou então você vai ver.
-Ver o que?
-O que eu vou
fazer com você. – O palhaço estava ficando com raiva.
-Duvido.
-Não se brinca
com palhaços, caro irmão. Aquele sorriso que estampamos é somente mais uma
marca do sofrimento que trazemos no peito.
Maurice
desferiu-lhe um golpe digno dos samurais japoneses e correu em direção ao
furgão, sem ao menos olhar para trás, e deu a partida no automóvel, que de
início, não queria pegar.
-Seu *zão!
Volta aqui! – Ron gritava e lançava pedaços do homem esquartejado em direção ao
furgão, manchando o caminho de vermelho escarlate. – Vamos comer uns hambúrgueres.
Entretanto, o
homem de cuecas não queria mais fazer parte daquela loucura, e pisou fundo no
acelerador, deixando o demente de seu irmão mais velho gritando e pulando de
raiva, com o corpo coberto do sangue e das tripas do texano.
Ademais, ele
sabia que não encontraria mais o irmão por algumas décadas.
Maurice
reorganizou sua vida e, curiosamente, montou uma lanchonete (com carne bovina)
que ele resolveu denominar “O Rei do Hambúrguer”, que fez muito sucesso em
todos os Estados Unidos.
Os negócios
cresciam, e as viagens se equacionavam em progressão aritmética, ao passo que
os lucros se masterizavam e renderizavam suas campanhas fenomenais de marketing. E foi em uma dessas viagens
que ele passou por uma situação que mudaria de vez sua vida.
-Bom dia,
senhor. Suco, refrigerante, champanhe? – A aeromoça, de nome Mariana, trajava
um elegante corpete vermelho e azul, salpicado de estrelas. Eles voavam na
American Airlines, e o senhor Maurice Simons, desfrutava das viagens na classe
A.
-Champanhe. –
Ele pegou a taça e agradeceu.
A loira que o
atendia se despediu e continuou com o carrinho.
Ao chegar em
Los Angeles para participar da inauguração de mais uma filial de seu
empreendimento, topou de cara com um palhaço que na hora o fez lembrar de
Ronald.
-Com licença,
seu nome?
-Mark
Anthuerpia.
Não era ele.
-Bom trabalho!
– Maurice continuou seu caminho até a inauguração.
A festa foi
excelente, com vendas superando o esperado. Já na volta para o aeroporto, com o
tempo corrido, reparou em uma nova lanchonete que inaugurara no mesmo dia.
O slogan
colorido e chamativo era contagiante, tanto que o fez parar e entrar.
Por dentro, a
loja era mais histérica e ilusionista: Diversas garçonetes deslizavam
graciosamente em cima de patins, que reduziam o tempo de entrega e ainda
divertiam os frequentadores. Era, sem dúvidas, um empreendimento que faria
sucesso.
Em um anúncio
ao lado do caixa, vários brinquedos estavam em exposição, perto de um cartaz
que oferecia os brinquedos junto ao hambúrguer com feições infantis. E,
surpreendentemente, um palhaço divertido ficava por ali, encantando os clientes
com mágicas e outros truques, além de certas piadas bobas.
Maurice
aproximou-se do palhaço com atenção, e estendeu-lhe a mão amigavelmente.
-Com licença?
– Simons parecia confuso. Era ou não Ronald?
O palhaço
respondeu da maneira mais idiota possível, sem sair do personagem e estendendo
também as mãos, em um cumprimento suficientemente exagerado.
-Bom dia! – O
sorriso vermelho e branco estampava felicidade. – O que você vai querer para
comer?
-Nada. –
Maurice tentava reparar no rosto por detrás da maquiagem. - “Ele certamente
havia mudado muito com o tempo, assim como eu.”, pensou.
-Quem sabe um
hambúrguer especial? – O palhaço era macabro. Maurice entendeu ali naquele
exato momento o porquê daquelas pessoas que choram quando veem um. – Ou então
nossa costela exclusiva?
-Não.
Obrigado. Quero apensas saber o seu nome.
-Meu nome,
pequenino, é Ronald.
Era ele. O
irmão diabólico que ele abandonara anos atrás. Aqueles hambúrgueres especiais
eram na verdade feitos de carne humana.
“Espero que
não me reconheça”, quase orou para Deus.
-Espera, eu te
conheço? – O palhaço tocou em seu braço.
Maurice
simplesmente correu.
Dois dias
depois e não mais sinal do palhaço diabólico além das propagandas que inundavam
a TV. As crianças adoravam o palhaço vermelho e amarelo. Maurice se preparava
para dormir, em um hotel em Nova York, algo simples e compacto, sem muito luxo.
A luz tremulou
por alguns instantes e se apagou.
Um vulto
dançou na escuridão.
Ao voltar a
energia, duas mãos envoltas em luvas brancas estavam no rosto de Maurice,
prestes a sufocá-lo. Escondiam a peruca vermelha e a roupa amarela com listras
carmim.
E o palhaço
demoníaco sufocava-o com demência, sacudindo a presa e exclamando com
satisfação para o irmão ouvir pela última vez:
-Amo muito
tudo isso.
Enviado e intitulado autor : Walter Crick,
Enviado e intitulado autor : Walter Crick,
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